quarta-feira, 6 de agosto de 2008

VIVER E EXISTIR

VIVER E EXISTIR

“Coloque isso como um selo sobre teu coração: o amor é tão forte quanto a morte."

Viktor Frankel

(*) Suely Pavan

Há alguns anos proferi uma palestra-trabalho para os membros do comitê de qualidade da empresa Kodak (os multiplicadores para os demais funcionários) em São José dos Campos. O tema que a diretoria solicitou que eu trabalhasse era “Resignificando Qualidade de Vida”. O título foi dado por mim, e no gerúndio mesmo, pois a vida é de certa forma resignificada a cada instante, em função das experiências vividas.

A empresa tinha um belíssimo programa de qualidade de vida para os seus funcionários, porém percebia que estes não se apropriavam do mesmo e delegavam para a empresa a qualidade de suas vidas. Eles haviam se esquecido que a vida, independentemente dos programas empresariais, é de cada um. Em conseqüência, eles não usufruíam dos benefícios do programa.

Por se tratar de uma palestra não convencional os temas protagônicos do grupo foram trabalhados à medida que surgiram. Por este motivo chamei esta modalidade viva de interação com as demandas da platéia de “palestra-trabalho”, hoje chamo de palestra interativa, embora os pressupostos metodológicos continuem os mesmos. Neste tipo de interatividade, que ocorre como na vida, não é possível saber de antemão o que o grupo quer e precisa trabalhar. Quem dirige este tipo de trabalho se depara a todo o momento com o imprevisto. O diretor do processo o vive junto com a platéia. Está a seu serviço, apenas. Quando não há exigências “modeladoras” externas advindas de áreas/pessoas que apenas querem enquadrar pessoas ao invés de desenvolvê-las, este tipo de trabalho costuma fluir. É preciso tempo para se conseguir o aquecimento adequado do grupo, e pela minha experiência com este tipo de trabalho quanto mais racional é uma platéia, maior é a necessidade do mesmo para o tema. Aquecimento neste contexto não é apenas um quebra-gelo como no treinamento tradicional, é feito a todo instante, aquece-se para o tema e temas que vão surgindo conforme o objetivo do trabalho.

Neste importante processo vivenciado entre a interação da diretora (no caso eu) com a platéia surgiu um impasse naquele grupo: A diferença entre viver e existir. Um dos participantes, inclusive lembrou-se de um texto (se não me falhe a memória em italiano) que ele havia traduzido. Neste texto falava-se de um cemitério diferente. As pedras sobre os túmulos significavam o tempo que as pessoas lá enterradas haviam de fato existido. Haviam pessoas, por exemplo, que tinham morrido com oitenta e poucos anos, mas que haviam existido apenas cinco.

Chegamos à conclusão que todos nós temos direito à vida, mas poucos, muito poucos mesmo se permitem existir. Existir é dar um significado ou sentido àquilo que biologicamente tem um prazo de validade: a vida.

Quem dá sentido à vida sabe que um dia nasceu e sem aviso prévio um dia irá morrer. O prazo entre estes dois fenômenos é que faz toda a diferença. Podemos viver simplesmente nos alimentando, e deitados sobre uma cama, 24 horas de nosso dia. Ou então viver no piloto automático, como a maioria dos seres humanos faz hoje no planeta. Vive para trabalhar, ou para estudar, ou para qualquer coisa. Aliás, se perguntarmos: Pra quê você vive? Muita gente demorará um tempo enorme pra responder!

São pessoas que vão vivendo. Acordam pela manhã dão um beijinho sem graça na esposa ou marido. Depois automaticamente tomam posse do carro na garagem e se dirigem também automaticamente para os seus trabalhos. Ou então se espremem em ônibus ou outros meios de transportes, achando que todos os dias fazem a mesma coisa. Pessoas que nunca prestam atenção alguma aos caminhos que fazem. Que raramente percebem que o caminho pode ser o mesmo, mas que a paisagem muda a todo o segundo. Pessoas que delegam suas vidas e escolhas para as empresas,as opiniões alheias e são consumidoras ávidas de produtos e serviços que tiram o seu poder pessoal. Aquelas que vivem pedindo “dicas” de como podem se comportar no trabalho,em casa ou na entrevista de emprego, são exemplos claros desta mecanização da vida.

Automaticamente também elas fazem as atividades pelas quais são pagas por seus empregadores. E se algum repórter desavisado lhes perguntar de chofre: Qual é o sentido e o significado de seu trabalho? Poucos serão aqueles que responderão facilmente. As respostas mais prováveis serão: trabalho para pagar as contas; trabalho para levar uma vida boa; trabalho porque eu gosto; e outras do mesmo “naipe”. Porém, o sentido e o significado do trabalho em sua existência, serão lembrados por poucos, muito poucos. Muita gente ainda confunde sentido com utilidade. Sentido é algo maior, pertence à esfera dos sonhos, dos desejos que se quer realizar. Pertence àqueles que acreditam na possibilidade do futuro. Os utópicos.

Embora a vida seja um presente, dá sentido a ela apenas aquele que consegue imaginar-se no futuro. É esta possibilidade que nos faz atravessar os obstáculos inerentes à própria vida no presente.

Viktor Frankl o psiquiatra austríaco que ficou durante a II guerra mundial no campo de concentração de Auschwitz, descreveu suas experiências no livro “Em Busca de Sentido”, criando desta forma o seu método terapêutico chamado logoterapia. Viktor conta neste livro que ao chegar do trem em Auschwitz traçou três metas:

  • Sobreviver
  • Usar suas habilidades médicas para ajudar
  • Aprender alguma coisa

Frankl também observou que a maioria dos prisioneiros era executada logo após a sua chegada. E que aqueles que como ele sobreviviam tinham um traço em comum: Todos sem exceção, tinham algo a fazer em seu futuro, fora dos campos de concentração. Esta visão do futuro ou sentido para a vida era o que os fazia sobreviver. Ele mesmo escreve em seu livro a seguinte história:

“Dois homens pretendiam se suicidar; era um acontecimento comum aqui no campo. Seus amigos, literalmente, salvaram suas vidas lembrando-lhes de seus futuros. Para um, o seu filho que o adorava e que o esperava num país seguro. Para o outro era uma coisa, não uma pessoa. Esse homem era um cientista que havia escrito uma série de livros que ainda precisava ser terminada. Seu trabalho não poderia ser feito por ninguém mais. E quando foram lembrados de suas responsabilidades para com o futuro eles aceitaram e tiveram forças para agüentar e sobreviver”.

O mesmo ocorreu com ele, conforme escreveu:

Quase em pranto pela dor eu continuava pensando nos inúmeros pequenos problemas de nossa vida miserável, o que havia para comer à noite? Se vier um pedaço de salsicha como ração extra devo trocá-la por um pedaço de pão? Devo trocar meu último cigarro - que foi o resto de um presente que eu recebi há duas semanas – por um prato de sopa? Como posso arrumar um pedaço de arame para substituir o outro que amarrava um dos meus sapatos? Quem poderia me arranjar trabalho no campo em lugar de ter de agüentar essa marcha diária terrivelmente longa? Fiquei aborrecido com a situação das coisas que me obrigava a pensar todo dia e toda hora somente nessas coisas banais. Eu forcei a minha mente para mudar para outro assunto. De repente, eu me vi no palco de um auditório bem iluminado, quente e muito agradável. Diante de mim havia uma platéia atenta em cadeiras estofadas confortáveis. Eu estava dando uma palestra sobre a psicologia no campo de concentração. Com este método eu consegui, de certo modo, passar por cima da situação, por cima do sofrimento daqueles dias".

...Frankl observou que, de todos os prisioneiros, os que melhor conservavam o autodomínio e a sanidade eram aqueles que tinham um forte senso de dever, de missão, de obrigação. A obrigação podia ser para com uma fé religiosa: o prisioneiro crente, com os olhos voltados para o julgamento divino, passava por cima das misérias do momento. Podia ser para com uma causa política, social, cultural: as humilhações e tormentos tornavam-se etapas no caminho da vitória. Podia ser, sobretudo, para com um ser humano individual, objeto de amor e cuidados: os que tinham parentes fora do campo eram mantidos vivos pela esperança do reencontro. Qualquer que fosse a missão a ser cumprida, ela transfigurava a situação, infundindo um sentido ao nonsense do presente. Esse senso de dever era a manifestação concreta do amor - o amor pelo qual um homem se liberta da sua prisão externa e interna, indo em direção àquilo que o torna maior que ele mesmo....(**)

No seu livro “Man’s Search for Meaning”, ele conta uma das experiências interiores que o levaram à descoberta do sentido da vida:

"Um pensamento me traspassou: pela primeira vez em minha vida enxerguei a verdade tal como fora cantada por tantos poetas, proclamada como verdade derradeira por tantos pensadores. A verdade de que o amor é o derradeiro e mais alto objetivo a que o homem pode aspirar. Então captei o sentido do maior segredo que a poesia humana e o pensamento humano têm a transmitir: a salvação do homem é através do amor e no amor. Compreendi como um homem a quem nada foi deixado neste mundo pode ainda conhecer a bem-aventurança, ainda que seja apenas por um breve momento, na contemplação da sua bem-amada. Numa condição de profunda desolação, quando um homem não pode mais se expressar em ação positiva, quando sua única realização pode consistir em suportar seus sofrimentos da maneira correta - de uma maneira honrada -, em tal condição o homem pode, através da contemplação amorosa da imagem que ele traz de sua bem-amada, encontrar a plenitude. Pela primeira vez em minha vida, eu era capaz de compreender as palavras: 'Os anjos estão imersos na perpétua contemplação de uma glória infinita'., "

O sentido da vida é a própria razão de nosso existir. É o que nos tira da automação, é o que nos torna fortes. É algo sempre muito maior do que nós mesmos, é o que não nos deixa sucumbir e principalmente perder as esperanças. É aquilo que nos transcende. Viver sem sentido é pilotar um corpo sem rumo.

Foi com este sentimento de “sentido” que vim dirigindo de São José dos Campos para São Paulo, cantarolando ao som da valsa “Danúbio Azul”. O sentimento era de missão cumprida. A impressão que tinha é que havia feito exatamente o que minha alma disse que era para fazer.

Muitos trabalhos assim, eu já fiz em minha vida profissional. Trabalhos fluentes e gostosos. Nele o grupo se desenvolve, apesar da cara amarrada de alguns, aqueles que eu citei no início deste texto. Mas caras amarradas de gente enquadradora e que só busca modelos de comportamento, não tiram o sentido de vida de ninguém, como nos mostra novamente Viktor Frankl:

... Dirigindo-se a um público universitário norte-americano, Viktor Frankl pronunciou estas palavras onde a lucidez se alia a uma coragem intelectual fora do comum:

"Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz, Treblinka: elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não passa do insignificante produto acidental de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata seja eliminado como inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores: tudo isto não é senão raciocínio lógico e conseqüente." (Sêde de Sentido, trad. Henrique Elfes, São Paulo, Quadrante, 1989, p. 45.)...(**)

Com declarações desse tipo, ele pegava pela goela os orgulhosos intelectuais denunciadores da barbárie e lhes devolvia seu discurso de acusação, desmascarando a futilidade suicida de teorias que não assumem a responsabilidade de suas conseqüências históricas. Pois o mal do mundo não vem só de baixo, das causas econômicas, políticas e militares que a aliança acadêmica do pedantismo com o simplismo consagrou como explicações de tudo. Vem de cima, vem do espírito humano que aceita ou rejeita o sentido da vida e assim determina, às vezes com trágica inconseqüência, o destino das gerações futuras(**)

Os grifos são meus!

(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos desde que se mantenha a autoria e a forma de contato: www.pavandesenvolvimento.com.br

(**)http://www.oindividuo.com/convidado/olavo1.htm

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