terça-feira, 10 de junho de 2008

DESENVOLVIMENTO X TREINAMENTO TOSCO

DESENVOLVIMENTO X TREINAMENTO TOSCO

(*) Suely Pavan

A principal tarefa de uma área de Recursos Humanos, ou seja lá o nome “modernoso” que se dê, é o desenvolvimento de pessoas. E desenvolver é, antes de tudo, acreditar no potencial de cada ser humano. Acreditar que ele é capaz de:

· Tirar suas próprias conclusões a respeito de um tema, já que é adulto

· Agir de forma correta e encarar diferentes situações

· Pensar e refletir sobre os melhores caminhos a seguir

· Estar aberto para novas possibilidades

Quem trabalha com desenvolvimento acredita essencialmente em livre arbítrio, liberdade de ação e compromisso ético. Sabe que seres humanos não são animais irracionais que tudo aceitam. Esta é uma premissa básica para qualquer um que se disponha a trabalhar com RH!

Sem esta crença na potencialidade humana, ou centelha divina (como dizia Moreno, criador do psicodrama), trabalhos de desenvolvimento profissional ficam semelhantes a adestramento de cachorros.

Vale lembrar que, conceitualmente, a palavra treinamento só se aplica para trabalhos em que se faz necessária a repetição constante de conceitos ou formas de proceder, como por exemplo: manusear determinada máquina; aprender matemática financeira; dirigir um carro; fazer um relatório rotineiro; aplicar tinturas no cabelo; operar o computador; e etc.

Estas atividades são mecânicas e exigem do indivíduo o conhecimento sobre aquilo que faz. Obviamente não basta, por exemplo, saber tingir o cabelo da cliente; é preciso saber conversar com ela, orientá-la, enfim saber atendê-la de forma adequada. Aí entram as famosas competências comportamentais, que são alvo dos trabalhos de desenvolvimento profissional.

Não dá para treinar liderança, ou atendimento ao público, ou postura gerencial na relação com os colaboradores. O algo mais nestes casos está justamente na capacidade dos profissionais de RH em desenvolver pessoas!

Quando isto não acontece, quem sofre é aquele que também sofre a ação do treinamento inadequado de profissionais: o cliente.

Certa vez entrei numa agência bancária e a segurança cismou visivelmente comigo, me afrontou a ponto de solicitar que eu tirasse o prendedor do meu cabelo, o que faria com que eu ficasse despenteada. Fez outras exigências espatafúrdias também. Fui embora da agência, chamei a polícia e liguei para o gerente de minha conta. Horas mais tarde ele me retornou a ligação. Sem nenhum trejeito de “treinamentos toscos” (depois explicarei o que é isto!) ele me disse que:

1) Chamou a atenção da segurança quanto ao ocorrido

2) Fez também uma reunião com todos da agência que viram o ocorrido, mas ficaram em suas mesas, como se nada estivesse acontecendo

3) Não demitiu a segurança, já que isto não a ajudaria em nada, mas lhe falou algo muito importante: Pessoas servem para fazer a diferença. Se você se comporta tal como a máquina que barra as pessoas na porta da agência eu não preciso de você. Sua tarefa não é barrar ninguém, mas analisar caso a caso. Enfim, ser diferente da máquina!

Este gerente resumiu tudo aquilo que deve ser um trabalho de desenvolvimento de pessoas. Aliás, cabe ressaltar que bons programas de desenvolvimento profissional desenvolvem as pessoas como um todo. Quem desenvolve o faz de forma inteira, e não apenas no exercício profissional. Programas de desenvolvimento visam a saúde mental, e não a doença da repetição.

Máquinas repetem coisas. Gente transforma as coisas. Lê diferentes situações. E quem se predispõe a desenvolver pessoas não enquadra ninguém em padrões de comportamento. Agir desta forma é pensar que desenvolve quando, de fato, está aplicando o treinamento tosco!

Treinamento tosco é aquele em que as potencialidades do indivíduo ficam atrofiadas.

Lá vai uma caso que exemplifica bem o treinamento tosco:Ontem, meu marido viu um bêbado na sua frente na fila do supermercado. Percebeu, quando estava de saída, que este bêbado poderia se machucar, já que estava cambaleando. Foi ao encontro dos diversos “caciques” deste supermercado que apenas olhavam o coitado do bêbado e ainda comentavam entre si: Ele vai cair!

Meu marido disse a eles do estado daquele ser humano. Toscamente eles responderam que: Senhor, (treinamento tosco) não podemos expulsar o bêbado daqui, pois ele é um cliente!

Meu marido refutou: Mas eu não estou pedindo para vocês expulsarem ninguém; ao contrário, seria interessante, já que ele é cliente, que vocês de alguma forma o ajudassem. Eles responderam que nada poderiam fazer e algo mais “politicamente correto” que agora eu não lembro e que foi aprendido em algum treinamento tosco.

O que o treinamento tosco ensina, como se os treinados fossem máquinas:

· “Bom Dia, Senhor/Senhora”

· “Estarei verificando” (mas nunca verificam absolutamente nada, já que na empresa não há um sistema formal de encaminhamento e resolução de problemas)

· Perguntas que fazem parte de um “script” linear aprendido, e que não ensinam a responder perguntas que não estão nele.

· Aprender a responder de forma mecânica, mas são incapazes de ouvir de forma espontânea. Será que alguém foi capaz de ouvir suas questões durante o treinamento tosco?

Enfim, são repetidores daquilo que aprenderam e morrem de medo de ter uma atitude diferenciada, já que são vigiados o tempo todo. Infelizmente os problemas advindos de seleções fracas e treinamentos toscos não são privilégio apenas deste grande supermercado. Quem tem ouvidos e sabe ouvir os clientes, sabe também avaliar a quantas andam os processos seletivos e os programas de desenvolvimento de algumas empresas. Agências de carro, companhias aéreas, bancos, lojas, têm o mesmo problema. Quem ainda foge dos treinamentos toscos são alguns bons restaurantes. Neles eu me sinto cliente. Sou bem tratada, e de forma diferenciada. Raramente ouço um garçom repetir frases aprendidas num treinamento tosco. Raramente também vi um garçom despreparado para a sua função, eles são visivelmente bem selecionados. Tanto que se freqüentarmos a muito tempo o mesmo restaurante veremos os mesmos garçons durante anos. Coisa que raramente acontece nas empresas!

Fala-se tanto em retenção de talentos, mas só um imbecil conseguiria ficar numa ambiente em que fosse tratado o tempo todo como um robô. Pago apenas para repetir mantras aprendidos num treinamento tosco, ministrado por alguém que deveria ser treinador de animais, mas nunca trabalhar como desenvolvedor de pessoas.

Claro, que as empresas doentias (e são muitas!) complementam este tipo de trabalho, já que não estão “nem aí” para as reclamações de seus clientes.

Quem desenvolve ensina amplitude de respostas, a partir das potencialidades criativas daquele grupo específico. Não generaliza e muito menos trata gente como um manual de procedimentos. O treinamento tosco é o resultado direto das centenas de pessoas que diariamente apenas pedem materiais “prontos” para copiar em seus programas de liderança, atendimento, motivação, e outros da esfera do desenvolvimento. Gente que apenas repete o que copiou e depois prepara o grupo para fazer o mesmo.

Pensamento, reflexão, capacidade de respostas e criatividade não fazem parte da “ação” de um treinamento tosco.

(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos desde que se mantenha a autoria e a forma de contato: www.pavandesenvolvimento.com.br


PAVAN DESENVOLVIMENTO S/C LTDA.
CRPJ 06/2359-J

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